Por Dr. Afranio Leite Garcez
“O pico da doença do coronavírus já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta. O desafio é que o Brasil é um país com muita comunidade, muita favela, o que acaba dificultando o processo todo.” A fala de Guilherme Benchimol, presidente da corretora XP, uma importante peça no mercado financeiro brasileiro — e um dos executivos mais engajados no movimento Não Demita!, incentivando empresas a manterem suas equipes durante a pandemia —, aconteceu durante uma transmissão ao vivo do jornal O Estado de S. Paulo nesta última semana e causou uma enxurrada de críticas e revolta nas redes sociais.
Ao fatiar a gravidade da pandemia do novo coronavírus entre uma crise de pobres e outra de ricos, o bilionário mostrou a faceta mais caricata da elite brasileira, que se põe à parte frente aos mais de 42 mil novos casos em decorrência da doença, e mais de 850 mil novos infectados, até o dia de ontem, 13 de junho de 2020, conforme revela o Consórcio de Imprensa o que coloca o país na 2ª posição em número de óbitos, de mais da mais na medida em que a população mais rica começa a se sentir confiante de que a maior ameaça― para eles ― já passou, um movimento perigoso avança no Brasil, na visão do psicanalista e professor da USP, Christian Dunker.
“Há uma negação do que se sabe de outros países: de que quando chega o ponto mais crítico, o ponto de saturação do sistema de saúde público e privado, não adianta você ter dinheiro ou ser de uma classe mais alta porque não haverá sistema disponível”, afirma. Segundo a Confederação Nacional de Saúde, em ao menos seis Estados já há saturação dos sistemas públicos e privados de atendimento. O psicanalista afirma que a onda negacionista e a percepção de estar fora de perigo abrange, sim, uma parte importante da elite nacional, e tem como base uma crença dessas pessoas de que são excepcionais, fora de grupos de riscos, já que são privilegiados. Por isso, podem relaxar regras de isolamento e até promover encontros com amigos. “Escuto muito isso no consultório. Que as pessoas se sentem especiais, que são saudáveis, atletas como Bolsonaro e que isso é uma gripezinha. O presidente repetiu à exaustão esse discurso de negação da realidade assim com várias lideranças religiosas.”
Em seu livro Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros, o psicanalista explica como, há anos, as classes média e alta lidam com o conflito: com a construção de um muro e a designação de seus síndicos, responsáveis por manter em dia a dia emseu status quo. “Essa ideia de negação do conflito e da diferença já estava lá em 1970, quando inventamos um Brasil em que a gente aparta a diferença. E acho que agora estamos regredindo para uma maneira de ver o mundo, até favorecida pelas medidas sanitárias, em que o mundo é o tamanho do seu condomínio.”
A insistência no argumento de que é preciso privilegiar o funcionamento da economia em detrimento das medidas de isolamento social ficou evidente de novo nesta última semana. Em mais um movimento para pressionar a retomada da atividade econômica, o presidente levou uma comitiva de empresários e ministros para a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) para alertar o presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, sobre os impactos que o isolamento social tem gerado na iniciativa privada e como a paralisia econômica pode transformar o Brasil “em uma Venezuela”.
“Nós devemos nos preocupar com economia, sim. Mas também com empregos”, declarou Bolsonaro. “Emprego é vida.” Na ocasião, empresários procuraram chamar a atenção dizendo que as “indústrias estão naUTI”, alheios às filas de pessoas que estão morrendo por falta de leitos em vários pontos do país. Enfim se enganamàqueles que apostam na necrpolítica, e passam à população a falsa sensação de que a pandemia já passou pelo Brasil. Finalmente, todos estes fatos se aplicam aqui em nossa cidade, onde os números de infectados e de sub notificações são constantes, isso sem falar que se o óbito ocorre num hospital em Conquista, o local do falecimento não é contabilizado como Vitória da Conquista, e sim a origem do paciente, o que contraria fundamentalmente as recomendações do Conselho Federal de Medicina, e a Lei dos Registros Públicos. Declaração de óbito é uma coisa. Certidão de óbito é outra.
Entendo que todos nós queremos viver e principalmente sobreviver e manter os postos de trabalho, o que se faz necessário, mas nunca com redução de salários, de falta de equipamentos de proteção individual, com a falta de testagem em massa com testes pcr e testes rápidos etc. Até agora não sabemos quantos rodoviários, taxeiros, e outras categorias profissionais foram atingidas, pois tais dados não são publicados, e pelo visto jamais o serão.
*Dr. Afranio Leite Garcez é ex-professor, advogado, escritor e membro efetivo da Academia Conquistense de Letras.