Por Ana Cristina*
A Educação tem um preço alto. Este custo se apresenta em duas perspectivas, cujo ônus assombra o Estado, seu virtual garantidor: por um lado é valor, é ferramenta de reflexão e autonomia, mecanismo de liberdade e, portanto, objeto de economia do poder público; por outro, é valorada, custosa, necessita de altos investimentos de ordem pecuniária e, portanto, objeto de economia do poder público. Com estes contingenciamentos, em pouco tempo os governos têm desprezado uma série direitos conquistados árdua e lentamente ao longo de anos de história. E Vitória da Conquista segue firme esta triste tendência.
Em 17 de agosto de 2018, através do Decreto 18.832, a prefeitura, sem qualquer justificativa, desativou 8 escolas situadas na zona rural do município. Em seguida, emitiu nota oficial em que alegava um “número reduzido de alunos matriculados”; que os estudantes freqüentes seriam realocados para escolas nucleadas da sede dos distritos; e asseverava, por fim, que continua “mantendo a qualidade de ensino e otimizando os gastos públicos”. Não bastasse o atraso que representa o Decreto, as contradições na justificativa apresentada posteriormente transforma a emenda pior do que o soneto.
O fechamento de escolas do campo não é exclusividade deste município – ou antes, tem se tornado política de estado no Brasil. Dados da UFSCAR dão conta de que, nos últimos 16 anos, mais de 30 mil escolas no campo foram desativadas em todo o país, fato que ensejou a elaboração da lei 12.960/14, cujo texto inserto no art. 28 da LDB diz que o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar. No caso em tela, não se verifica até o momento qualquer consulta ou estudo acerca da inviabilidade econômica das instituições coercitivamente encerradas, tampouco teve alguma voz a comunidade escolar.
Os aspectos legais que envolvem a Educação são simplesmente atropelados pela truculência discricionária dos governantes. Como direito social contemplado no art. 6° da Constituição Federal, a Educação deveria estar protegida pelo Princípio da Vedação do Retrocesso, o qual afirma que as vantagens e garantias sociais conquistadas não podem ser perdidas, sob pena de incorrer em flagrante ato inconstitucional. Ora, a educação no campo é conquista social, é a universalização do ensino, é a escola adentrando locais esquecidos e alcançando populações historicamente abandonadas. A alternativa oferecida pelo governo de garantir transporte para outras escolas, na prática, significa tirar os estudantes da sua casa, do seu lar de pertencimento, colocá-los em transportes precários nas estradas descuidadas em viagens diárias de ida e volta, e concorre para desfavorecer ainda mais o alcance dos escopos pedagógicos tanto para o estudante quanto para a própria escola que o receberá. Pois são grandes as contradições ao se afirmar preocupação com a qualidade do ensino quando, na prática, o mais indicado para atingir este objetivo seria diminuir a quantidade de estudantes por sala e não o oposto, como está sendo feito.
O “número reduzido de matrículas” devia ser usado pelo sistema municipal de ensino para garantir educação de excelência, com atividades pedagógicas específicas, acompanhamento individualizado, entre outras inúmeras ações pedagógicas otimizadoras nestas escolas. Professores e professoras sonham com uma sala de aula com número ao menos razoável de estudantes, justamente para que possam desenvolver melhor seu trabalho. As escolas particulares, que têm melhor desempenho no ensino-aprendizagem, também têm salas de aulas com menos alunos, conforme mostram os indicadores educacionais do INEP de 2016. Melhorar ensino enchendo a sala de aula faz parte de uma lógica de quem não conhece e não se importa efetivamente com a qualidade da Educação.
Estas poucas matrículas relatadas no meio do ano letivo podem, também, derivar de evasão escolar, posto que é uma mazela inconteste da rede municipal de Conquista. Assim sendo, o fechamento das escolas é mais um atestado de incapacidade do sistema em face do que preconiza o inciso I do art. 206 da Lei Maior, que trata sobre garantia de acesso e permanência. A política do governo deveria versar sobre formas de transformar a escola num espaço atrativo sem prescindir de seus objetivos, mas ao que parece, pretende-se ir pelos caminhos aparentemente mais fáceis. A decisão de fechar 8 escolas em zonas rurais é um anacronismo social absurdo e triste, algo impensável em qualquer administração séria e comprometida com o tema Educação.
A administração pública deve, sim, prezar pela racionalidade e economicidade de seus atos, mas sem prejuízo de questões que são, ao mesmo tempo, básicas e urgentes. Para a boa gestão da Educação pública, é imperativo que sejam colocados em primeiro plano os aspectos educacionais e pedagógicos, e que seus custos sejam considerados investimentos, e não um estorvo pecuniário. Porque, se a Educação tem um preço alto, mais alto ainda é seu valor. Este, incomensurável.
*Ana Cristina é professora e na infância estudou em uma escola da zona rural. Atualmente é presidente do Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista.