Símbolo da força e humildade nordestina e até chamado de “nosso irmão” pelo mestre Luiz Gonzaga, o emblemático jumento, que segundo o folclore, carrega em seu lombo os rastros da urina do menino Jesus, virou notícia nas redes sociais e em boa parte da imprensa baiana, principalmente depois da entrevista que Éder Ferreira Rezende, empresário e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Itapetinga, concedeu ao blogueiro Anderson Santos.
Sob a manchete: “Produto para Exportação: jumentos começam a ser abatidos gerando 500 empregos diretos em Itapetinga” a matéria diz que serão abatidos em um primeiro momento até 600 animais, que “encontram-se confinados com tratamento especial”. Éder também administra a Confrigo Frigorifico, em Vitória da Conquista. Segundo ele, toda a produção será exportada para a China.
VÍDEO CAUSA POLÊMICA
A polêmica surgiu quando alguns itapetinguenses usaram suas redes sociais para repercutir um vídeo denunciando condições cruéis que estariam sendo submetidas milhares de jumentos que aguardam ser vendidos para o abate. Na gravação, a voz de um homem afirma que os animais estão sem comida e água. “Estou aqui na cidade de Itapetinga, conhecida como terra firme e gado forte, mas infelizmente a terra está firme, mas o gado está fraco. Olha só, o Frigorífico Sudoeste fechou as portas para os açougueiros de Itapetinga e abriu as portas para um ‘rebanho’ de miseráveis que fazem uma situação como essa na nossa cidade”, diz a narração. Só em um perfil, o vídeo teve 2.200 compartilhamentos e 49.000 visualizações.
O homem fala que “3.000 jumentos estão presos” e que estariam “praticamente passando fome, esperando a hora do abate, no Frigorífico Sudoeste”. E prossegue: “Tem urubus já rondando ali, porque estão morrendo de fome os jumentos. Estão morrendo de fome, agora ficam uns fazendeiros, dizendo que são criadores de gado e deixam uma situação como essa chegar em nossa cidade. E ficam os Deputados brigando por causa da vaquejada, dizendo que é maltrato aos animais, e uma situação como essa? Animais aqui só, jumentos, que não nasceram para o abate, para serem prontos para o abate aqui na cidade de Itapetinga, tá vendo…no Frigorífico Sudoeste. Isto é triste, é lamentável. Então eu queria que vocês compartilhassem esse vídeo para que isso acabasse na nossa cidade, na nossa bela cidade de Itapetinga, tá bom? Compartilhe aí, me ajude, pra que isso não possa ir à frente, de forma nenhuma, essa crueldade com esses animais, tá bom? Um abraço a todos”.
O QUE DIZ A EMPRESA
Em entrevista ao jornalista Eudo Mendes do site Itapetinga Repórter o empresário Éder Resende afirmou: O Frigorífico Sudoeste não compra animais para abate, nós prestamos serviço, então nós fizemos uma parceria para reabrir o abate, criar novos empregos (…), então o Frigorífico do Sudoeste fez uma parceria com o pessoal para abater equídeos, né…pode ser jegues, pode ser cavalos, pode ser muares (burro e mula)”
Segundo Éder, o Frigorífico Sudoeste foi autorizado pelo Ministério da Agricultura, através do SIF- [Serviço de Inspeção Federal] – para matar 03 espécies, “nós podemos matar bovino, podemos matar equídeos e podemos matar suíno, então essa autorização nos autoriza o abate de qualquer espécie”, orgulha-se. Sobre o vídeo diz que “os animais estão bonitos” e que vê apenas um confinamento de jegue. “Tem confinamento de boi, tem confinamento de ovelha, tem tanto tipo de confinamento, por que a pessoa não pode confinar jegue, não é?”, argumenta.
O empresário afirma que todos os animais que chegarem ao frigorífico para serem abatidos vão passar pela fiscalização. “O SIF fiscaliza vivo e fiscaliza morto. A carne que sai de lá é de qualidade pra qualquer pessoa consumir. Não é consumido no Brasil por questões de religião, por questão de costume, por questão de hábito, né? Então no Brasil não se consome carne de jegue, carne de cavalo e tantas outras carnes que a gente vê aí mundo afora sendo consumida. Na China por exemplo, consome escorpião, larvas,rato, cachorro e todo mundo acha normal. O que eu quero dizer é que o Frigorífico Sudoeste não junta animais, nós não temos fazenda para juntar animais, nós não compramos animais”.
Segundo Éder o Frigorífico Sudoeste está fazendo “uma parceria com um grupo de chineses, que vão matar equídeos, não só jumentos né… o que eles trouxerem para o nosso frigorífico vai ser fiscalizado e vai ser abatido, independente de onde está esse animal”, diz. E sobre o vídeo, arremata: “a sua pergunta, eu não posso responder porque eu não seu aonde é esse vídeo e não tenho essa curiosidade de saber porque o frigorífico que é nosso, nós não fazemos essa coisa de juntar animais”.
“ANIMAL MORRE TODO DIA”
Anda na entrevista, Éder é questionado sobre outra denúncia acerca da morte de 03 animais por falta de alimentação, água e por estarem em local inadequado. O empresário responde não ter informações sobre a denúncia e logo em seguida diz: “Vou dizer só o seguinte, toda vez que você transporta um animal, seja ela de qualquer raça, ele se machuca. Você transporta bovino, morre boi…eu acredito que seja a mesma coisa, pelo vídeo que me mandaram os animais estão bonitos, não tem jegue magro e nenhum morrendo de fome, isso eu posso garantir como técnico em agropecuária que aquele vídeo não tem jegue morrendo de fome, tão gordinhos. Agora, se morreu algum, pode ter morrido, é normal, animal morre todo dia, eu sou fazendeiro e vire e mexe tem animal morto na minha fazenda e nem por isso eu estou maltratando eles, né? Mas o que eu posso garantir é que todos os animais que chegaram ao Frigorífico Sudoeste vão ser fiscalizados pelo SIF, vivos e mortos, não vão ser abatidos animais que não possam ser abatidos, isso eu posso garantir”
O empresário agradeceu ao prefeito de Itapetinga Rodrigo Hagge (MDB), ao deputado federal Antonio Imbassay (PSDB) e ao candidato a deputado estadual Paulo Câmara por ajudarem a conseguir a autorização para que o Frigorífico Sudoeste pudesse abater diversas espécies de animais. “O que a gente quer é trazer emprego para Itapetinga”, diz Éder.
Na Bahia o Frigorífico Sudoeste é o terceiro autorizado a abater equídeos, os dois primeiros foram em Amargosa e Salvador.
MINISTÉRIO PÚBLICO NOTIFICOU FRIGORÍFICOS EM MIGUEL CALMON E SERRINHA
Em 2016 o Ministério Público expediu uma recomendação aos frigoríficos do município de Miguel Calmon, no Centro-Norte da Bahia, para que suspendessem o abate de jegues e deu 48 horas após a notificação para que estes comprovassem “o encaminhamento dos animais para pastagem, com disponibilização de água, alimento, tratamento e abrigo adequados”. Foram notificados os os frigoríficos Piemonte da Chapada e Regional da Chapada Norte.
A recomendação foi expedida pelo promotor de Justiça Pablo Antônio Cordeiro de Almeida, que recomendou ainda que os frigoríficos apresentem guias de trânsito dos animais e os exames sanitários relativos aos jegues custodiados nas dependências do frigorífico ou do fazendeiro fornecedor.
Os frigoríficos também tiveram que comprovar em 10 dias, em laudos técnicos, que o manejo dos animais e a planta frigorífica não causa dano ou maus tratos aos jegues. Além de ter que comprovar a habilitação dos funcionários para o manejo dos animais. Os frigoríficos têm 10 dias para apresentar todos os documentos.
SERRINHA – O frigorífico Frigoserra, no município de Serrinha, no Nordeste da Bahia, desistiu de realizar o abatimento de jegues, equídeos, mulas, jumentos e outros animais. Em nota, a assessoria do MPE informou que a decisão foi tomada depois de uma recomendação feita pelo órgão. Um dia antes do abatimento ilegal de jegues, a Promotoria tomou conhecimento do caso e foi até o frigorífico.
CRÍTICAS AO ABATE
O abate de jumentos, porém, vem gerando críticas de ambientalistas nordestinos. A ONG Defesa da Natureza e dos Animais, de Mossoró (RN), diz que pode haver risco de extinção caso comece o abate do animal na região. “Nos últimos 10 anos,
sem intervenção para o abate, essa população de jumentos está caindo. Imagina se simplesmente começarmos a abatê-los?”, diz a presidente da entidade, Kátia Lopes.
Sobre o abate de equinos, a ativista e advogada de Mossoró, Vânia Diógenes postou em seu perfil no Facebook: “Há 04 anos essa monstruosidade teve início na cidade de Apodi/RN, lutamos e paramos com o abate do jumento nordestino. Fomos até à Câmara Federal. Agora, pela Bahia o crime continua, com animais errantes levados de outros Estados, até onde sabemos, sem os devidos cuidados sanitários para um verdadeiro holocausto. Jumentos presos, famintos, torturados e abatidos para exportação da sua pele para a China. Absurdo total! Não podemos apenas assistir esse extermínio acontecer!”
Segundo Jean Berg da Silva, doutor em inspeção de alimentos de origem animal e pesquisador do tema na Ufersa (Universidade Federal do Semi-Árido), não há como precisar se há risco de extinção pela falta de números confiáveis sobre jumentos. Para ele, a produção para abate deve ser planejada para evitar risco. “Você tem de ver o tamanho do abate. Se você sair abatendo bovino sem controle, por exemplo, ele também vai entrar em risco de extinção.”
O GAIA – Grupo de Ativistas Independentes pelos Animais também utilizou sua rede social para buscar apoio contra a matança dos jegues. Nos comentários, muita revolta. Em Vitória da Conquista, ativistas criaram um abaixo-assinado online para pressionar a revogação da legislação que permite o abate de equinos e pede para que os internautas encaminhe e-mails para os deputados solicitando parecer favorável ao PL 5949/ 2013 que proíbe o abate de cavalos e jumentos e está em tramitação na Comissão de Agricultura e Pecuária para ser votado.