As “bruxarias” de Hermeto Pascoal no Arraiá da Conquista
Assim que chegou ao Centro Cultural Glauber Rocha, onde abriria a programação da primeira noite no palco principal do Arraiá da Conquista, ontem (23), o compositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal entrou em seu camarim, onde os músicos de sua banda o aguardavam. Ali, todos cantaram parabéns e comemoraram, ainda que rapidamente, o aniversário do artista, que completou 86 anos no dia 22 de junho. Eles não se viam desde então.
Por isso, pode-se dizer que Hermeto fez em Vitória da Conquista o primeiro show depois de chegar à nova idade. Sentia-se bem, a julgar pelo que disse antes de sua apresentação, ainda no camarim. “Senti que estou em mais um céu na terra. A terra tem vários céus, e aqui é um deles”, disse o “bruxo”, como se tornou conhecido ao longo dos mais de sessenta anos de trajetória profissional como músico.
‘Tocar aqui é uma honra’
Tocar em pleno São João não é novidade para um artista sofisticado e internacionalmente conhecido, como é o caso de Hermeto. Nordestino do interior de Alagoas, ele tem o baião, o xote, a embolada e o xaxado como partes indispensáveis de seu repertório, fundindo-os ao jazz, à bossa nova, a outros ritmos e, por fim, ao forró que ele ouvia e tocava na infância, ao lado do irmão mais velho, José Neto.
Também são os mesmos ritmos nordestinos que ele se habituou a tocar já no Recife, ao lado do inesquecível Sivuca, com quem dividiu palcos em seus primeiros anos de carreira como músico profissional.
Cada show, para ele, diz, é algo inteiramente novo – como também deve ter sido novidade, para muitas pessoas que acompanharam o show, os instrumentos nada convencionais que o artista e seus músicos utilizam para produzir sons. “Eu não faço a mesma coisa, sempre mudo quando toco. Vou mudando, e é maravilhoso como os outros. Nunca é igual. Sempre, cada vez mais criativo. E ser convidado para tocar aqui é uma honra”, afirmou o genial Hermeto.
Bruxarias musicais
Já no palco, o artista, que também é conhecido pela irreverência, pôs seus instrumentos não ortodoxos a serviço de suas “bruxarias” musicais. Saxofone, guitarra, bateria, pandeiro, trompete, flauta, teclado e outros instrumentos tradicionais se somaram a uma velha chaleira, um tamanco, um pilão e brinquedos como porquinhos que, ao serem apertados, produzem um som que, para quem não é músico, soaria insuportável – mas que, modulado pelas mãos hábeis e sensíveis de Hermeto e de seus músicos, criam sonoridades e harmonias que se assemelham às melodias convencionais.
Uma velha chaleira, com água em seu interior, tornou-se um instrumento de sopro e se prestou a uma travessura por parte de Hermeto: como o microfone insistia em cair do suporte que o mantinha acima da chaleira, o artista despejou sobre o aparelho a água que havia dentro da chaleira. O público próximo do palco riu e aplaudiu.
Final com Luiz Gonzaga
Mas “bruxarias” e travessuras também têm limites. E Hermeto encerrou sua apresentação com o convencional: a velha sanfona de oito baixos, o mesmo instrumento com a qual o velho Januário ensinou o filho Luiz Gonzaga a tocar e se consagrar como o “Rei do Baião”. Com a sanfona, Hermeto deixou o experimentalismo e se entregou aos clássicos juninos já conhecidos por todos os que o assistiam. Ao fim do show, o músico e cantador Xangai, atualmente no cargo de Secretário Municipal de Cultura, foi ao microfone para agradecer e parabenizar o artista, a quem chamou de “gênio da música brasileira, internacionalmente conhecido”.
Afinal, captar os desejos mais prosaicos do público, em plena noite de São João, também é um dos poderes do “bruxo” – ou, caso se prefira, um de seus insights geniais.