Muitas conquistas já foram travadas a favor do espaço e importância da mulher na sociedade. Porém essa luta nunca para, e a cada dia que se passa aos poucos o sexo feminino vem alcançando o seu lugar em meio de um grande preconceito estampado ainda hoje pela sociedade, que se mantém resistente em aceitar o direito de igualdade entre os sexos. Imagine então quando a profissão é predominante do sexo masculino, aí que a coisa complica de vez. Mas não se acanhe! Existem muitas guerreiras que estão aí para dar exemplo aos preconceituosos e dar força e determinação a todas aquelas que desejam trabalhar e crescer fazendo aquilo que amam, provando que lugar de mulher é onde ela quiser.
“Tirar de letra”
Cleusa Borges Marques de Oliveira (40 anos) é motorista da Viação Vitória há 14 anos, sendo que destes, 11 foi atuando como cobradora e mais três como motorista. Ela conta que sempre quis atuar nessa área e que o apoio da empresa em que trabalha foi sem dúvida fundamental na realização desse sonho: “Eu achava muito bonito e almejava a profissão de motorista. (…) No momento que eu pedi pra ser motorista, a empresa foi parceira, ajudou e deu todo apoio. Gosto muito e amo o que faço, e no mais a gente vai levando”, declara Cleusa que apesar de receber apoio e elogio dos colegas de trabalho, ainda sofre com preconceitos cotidianos, porém a estes ela resguarda o silêncio e como ela mesmo diz “tira de letra”, não retribuindo e seguindo a vida se apoiando em momentos de satisfação que provam o quão é importante trabalhar fazendo aquilo que ama: “Sempre quando meus passageiros me elogiam, são momentos de alegria. Ao agradar o passageiro eu acabo sendo agradada. (…) Quando você ama sua profissão você faz bem, é só amar que vai dar tudo certo”, aconselha Cleusa, mulher, motorista e grande profissional.
“Mulher no volante, perigo constante”. Será?
Arlete é uma figura ímpar. Os passageiros e todos os colegas adoram o jeito descontraído e seu sorriso contagiante. “Sempre foi meu sonho ser motorista de ônibus. Eu trabalho como cobradora há 20 anos, e tem 18 anos que eu luto pra ser motorista, porque em Conquista tem aquele tabu que ‘mulher no volante, perigo constante’, e aí as empresas nunca me davam a oportunidade. Eu só vim conseguir quando fui para a Viação Vitória, quando conheci Rafael (Gerente de Tráfego da Viação Vitória) que me deu essa oportunidade”, conta Arlete Xavier da Nóbrega (51 anos), que há dois anos é motorista da Viação.
Para qualquer motorista de ônibus o trânsito é definitivamente um momento complicado, visto que a segurança dos passageiros é de sua total responsabilidade. Para Arlete, já não bastasse essa responsabilidade, há ainda o agravante pela falta de educação de outros motoristas ao volante: “A gente passa a todo o momento por complicações, principalmente os motoqueiros e as vans, que fecham a gente”, porém mesmo com estes inconvenientes ela declara que tudo vale a pena e que ama e agradece a Deus pela profissão.
Quebrando estereótipos
Segundo Arlete um aspecto muito importante da sua profissão é o de trazer o exemplo para outras mulheres tirando aos poucos o machismo ainda muito presente na sociedade: “Eles falam que ‘mulher tem que estar no fogão’, então o lado bom é isso: os homens verem que nós mulheres também somos capazes. E eu tô gostando de mais, é divertido, o pessoal passa, acena, tem gente que fala: ’Gente, nunca vi mulher dirigindo, olha que massa!’, então é muito legal”, declara a motorista realizada.
Primeira motorista mulher de Vitória da Conquista
A Viação Vitória foi pioneira ao empregar uma mulher como motorista. Em 2012, a Câmara de Vereadores homenageou o feito com uma Moção de Aplauso, na qual a motorista Flávia Andrade e o diretor da Vitória, Cláudio Vinícius receberam das mãos do vereador Alberto Gonçalves uma placa em homenagem pela iniciativa inédita na história da cidade.
Flávia relembra o início. “Quando eu comecei, muita gente apoiou, mas sempre tem uns colegas que eram contra e ficavam fazendo piadinha, falando que não tem condição. Sempre tem um pra botar a gente pra baixo, mas eu fechei o olho pra isso e falei ‘Eu tô aqui, e eu vou dominar isso. (…) Existe o preconceito, tem aquelas pessoas que são mais ousadas e que jogam na cara que a gente é mulher e que está em um lugar que não seria da gente’”, conta Flávia Andrade, 42 anos de idade e 8 atuando na profissão.
Para Flávia ser motorista é antes de tudo, ser exemplo de força e resistência. Ela recorda uma cena que a marcou durante estes anos de carreira. “Uma vez, quando eu estava começando a ser motorista, entrou um rapaz no ônibus e falou assim: ‘Ah então quer dizer que você que é Flávia né?’ E eu cheguei a ficar com medo né, e falei: ‘Sou, porquê?’ ai ele disse: ‘Ah, é porque a minha mulher agora lá em casa não me dá um pingo de sossego, porque ela pega o carro com você e agora ela acha que também pode ser motorista e me perturba o tempo todo querendo tirar a carteira, por estar vendo você dirigir’, ai eu falei: ‘Mas você devia ficar alegre com isso, porque ela está querendo crescer’”, relata Flávia indignada diante do preconceito do passageiro com a própria esposa, e emocionada por ser fonte de inspiração e força, mostrando que ser mulher é antes de tudo, sinônimo de ser capaz.
Motivação e determinação
“Já que ela pode, eu também posso”, foi em meio desse pensamento que Carla Antônia de Souza (38 anos), antiga moradora de Rezende (interior do Rio de Janeiro), resolveu apostar as suas fichas nessa profissão, quando ao trabalhar no RH de uma empresa de ônibus conheceu uma mulher motorista aqui na cidade, o que foi fonte de motivação para ela seguir em frente.
Carla que antes almejava ser psicóloga escolheu ser motorista de ônibus por amor e infelizmente diante da decisão não recebeu apoio de seus familiares que a chamavam de doida, pela escolha que ela tomou para si. Segundo Carla além de seus familiares não incentivarem a profissão, já houve casos em que passageiros deixaram de entrar no ônibus pelo fato de ser uma mulher que estava dirigindo, mas para ela isso não afeta em nada a sua decisão: “As pessoas tem outra visão do que é ser mulher, mas a gente tá mostrando que é diferente”, conta.
Para a veterana Flávia, ser motorista é também compreender o ser humano e saber como lidar com os diversos tipos de clientes. “A gente se torna psicóloga dentro do ônibus, o convívio com os passageiros é muito forte, sempre são os mesmos, e a gente tem uma aproximação muito forte, a ponto de se você faltar ou estiver de férias eles te procurarem”, conta Flávia, uma psicóloga formada pela vida, que não troca por nada todas as amizades, alegrias e experiências que obteve a partir da sua profissão.
Acreditando no potencial das mulheres
Para Rafael Freire, Gerente de Tráfego da Viação Vitória, investir na qualificação das mulheres para serem motorista é uma prática rotineira e que tem legado resultados ótimos. A empresa tem até uma “escolinha”. “A Viação Vitória trabalha no intuito de oferecer oportunidades para todos os colaboradores da empresa. Hoje a gente trabalha com os cobradores e tem uma escolinha, e aquele cobrador que já esta na empresa, e que tira categoria D, a gente dá a oportunidade de entrar na escolinha, feita semanalmente, todo sábado com os instrutores da empresa, e aí o candidato que se sair melhor tem a oportunidade de ser motorista, de acordo a desenvoltura desse colaborador”, explica Rafael , que declara não ver problema algum em contratar mulheres para serem motoristas. ”A gente não vê diferença nenhuma, pelo contrário queremos dar oportunidade para todos, tanto mulher como homem, e eu acho particularmente muito legal ter mulher no volante, gosto muito e sempre que tem uma mulher que queira ingressar na profissão e que tenha se desempenhado bem na escolinha e na manobra, ela vai pra rua. Se depender de mim, todas vão ter o meu apoio e a oportunidade”, afirma o gerente, que já abriu portas para tantas mulheres realizarem o sonho de atuar na desafiante profissão.
Cleusa, Arlete, Flávia, Carla. Exemplos de mulheres que trazem na determinação e profissionalismo, toda a força e motivação para aquelas que sonham em trabalhar no que amam, independente dos comentários machistas ou olhares de reprovação. Por isso, sempre que entrar a bordo de um ônibus, conduzido por alguma dessas heroínas, saiba que estará sendo conduzido com responsabilidade e profissionalismo por quem ama o que faz.