Mário Bittencourt e Tailane Muniz
A Operação Terra de Ninguém, realizada pela Polícia Federal, nesta segunda-feira (28), revelou que mineradoras pagavam propina de R$ 500 a 10 mil para a realização de serviços ilegais na Bahia. A ação tinha como objetivo combater um suposto esquema de corrupção na Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os 70 policiais envolvidos na operação cumpriram 22 mandados de busca e apreensão em Salvador e Lauro de Freitas, na Região Metropolitana. Na casa de um dos investigados, um servidores afastados, foram apreendidos R$ 48 mil em espécie, 3,5 mil dólares e 2 mil euros, que são indícios de valores recebidos de forma ilícita, segundo a polícia.
Foram apreendidos mais de 130 processos de liberação de guia de utilização, supostamente irregulares. Segundo a PF, não foram localizados processos irregulares referentes a análises de barragens de rejeitos das mineradoras.
Segundo a investigação, que teve início no final de 2017, a maioria dos serviços estão relacionados com a agilização de processos para liberação de guias de utilização – documento que dá direito à mineradora para explorar uma determinada área para verificar a viabilidade econômica.
De acordo com a PF, os processos que não receberam pagamento de propina demoravam cerca de dois a três anos em análise até serem liberados ou rejeitados, enquanto os que tinham pagamento ilegal levavam apenas 5 dias para conseguir a liberação.
Na operação, seis funcionários do órgão foram afastados dos cargos por determinação da 17ª Vara Federal de Salvador. Entre eles, está o gerente regional Cláudio da Cruz Lima, que atuava na chefia de fiscalização da ANM na Bahia, além de outros dois servidores que o antecederam no mesmo cargo.
Segundo a PF, eles recebiam vantagens indevidas para priorizar o andamento de processos administrativos e para modificar decisões contrárias aos interesses de empresários que se dispunham a fazer o pagamento de forma ilícita.
Responsável pela operação, o delegado regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, Fernando Ballalai Berbert, informou que as propinas mais altas foram pagas nos casos em que as empresas tinham os pedidos indeferidos – a partir daí, elas entravam com recursos para reverter a decisão do órgão.
“As propinas eram para liberação de extração mineral, como areia, cascalho, dentre outros produtos minerais”, afirmou Berbert, responsável pela investigação e combate ao crime organizado na PF da Bahia.
Berbert explicou que os responsáveis técnicos, ou seja, os geólogos responsáveis por assinar a ordem para a extração do minério, eram os representantes das empresas e quem negociava com os servidores.
Ao todo, três técnicos que trabalhavam para as mineradoras foram identificados. Eles não tiveram os nomes divulgados pela PF.
Não há, segundo a PF, como quantificar um valor total envolvido no esquema de propina. De acordo com o superintendente regional da Polícia Federal, delegado Daniel Madruga, não há um envolvimento direto da instituição no esquema.
“É necessário que fique muito claro que o órgão ANM não tem qualquer envolvimento direto com esse esquema. O que aconteceu foi um desvio de conduta de alguns servidores. Nosso objetivo principal foi e é acabar com esse tipo de propina na gerência da Bahia”, afirmou.
Interesse político
A Polícia Federal aponta ainda que há indícios que os dirigentes do órgão atuavam para beneficiar empresários ligados ao grupo político responsável por suas indicações para os cargos. Apesar disso, não foram detectadas interferências de políticos nos casos investigados.
Segundo o delegado, a polícia já identificou que os servidores envolvidos na suposta fraude trabalhavam para determinadas empresas, mas não revelou os nomes das organizações. Os investigados responderão por organização criminosa, corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa.
A reportagem não conseguiu contato com o gerente regional da ANM, Cláudio da Cruz Lima. Além disso, ninguém atendeu às chamadas ao telefone sede regional do órgão na Bahia nesta segunda-feira.
Na semana passada, Cláudio Cruz disse que, das 14 barragens de rejeitos de mineradoras que há na Bahia, 4 estão com suposto alto potencial de dano, porém não deu detalhes. Segundo Cruz, as empresas estão cumprindo as condicionantes da ANM e são realizadas fiscalizações anuais.
Duas estão localizadas em Jacobina (da Yamana Gold, que explora ouro), uma em Santa Luz (da Leagold, também exploração de ouro) e outra em Itagibá (da Mirabela Mineração, que realiza extração de níquel sulfato).
Ao comentar sobre a operação da PF, a ANM declarou que “está adotando as mediadas determinadas pela Justiça Federal e que está colaborando com as autoridades policiais.”
Sobre as barragens de rejeitos de Jacobina, a Yamana Gold declarou em nota que, em setembro de 2018, o relatório externo de segurança de barragem e a declaração de estabilidade enviados à ANM “atestaram a segurança das barragens B1 e B2”.
A barragem B1, segundo a empresa, não recebe rejeitos desde 2011 e encontra-se em processo de fechamento, por meio de cobertura, revegetação e posterior reintegração ao meio ambiente. Já a barragem B2, ativa desde 2011, atualmente utiliza 24% de sua capacidade total.
“A operação de barragens da empresa integra um sistema corporativo de gestão, com riscos continuamente monitorados. São realizadas análises técnicas diárias, relatórios de segurança mensais e auditorias anuais. Todas as barragens são controladas por meio de uma rotina de inspeções e manutenção rigorosamente cumprida pela equipe técnica”, informa o comunicado.
A Yamana garante que “em nenhuma das barragens há pontos críticos ou condições que denotem alguma anomalia. O comportamento e a performance das barragens encontram-se dentro do esperado, com pleno atendimento aos requisitos técnicos e legais.”
Procuradas para comentar sobre as suas respectivas barragens de rejeito, as mineradoras Mirabela, Legold, Grafite do Brasil (que explora grafite em Maiquinique) e Magnesita (que explora em Brumado o mineral que dá nome à empresa) não responderam.
A PF chegou a solicitar dez prisões, sendo quatro preventivas e seis temporárias, mas os pedidos foram negados pela 17ª Vara de Justiça Federal, que determinou como medida alternativa, além do afastamento, que os servidores estão proibidos de se comunicar e não podem voltar a integrar o quadro da ANM em qualquer outra regional.
Fonte: Correio*