Por Josafá Santos
Em 1980 o françês Pierre Weil, Dr. em Psicologia pela Uiversidade de Paris, em parceria com Roland Tompakow, deu vida ao livro que dá nome a este texto. Estudioso do comportamento humano, conheceu Jacob Moreno, Henri Walon, Jean Piaget, dos quais foi discípulo. Em sua obra, Weil nos fala da linguagem não verbal; somos introduzidos naquilo que seria chamado mais tarde de “leitura fria”. Weil nos diz que o sujeito fala mesmo quando nada diz, mesmo quando sua boca não fala, quando sua mão não escreve; mais ainda: que mesmo que a linguagem verbal seja utilizada, a leitura da postura física do sujeito falante, pode reforçar, por em dúvida ou desmentir completamente aquilo que é dito.
Ressalta que mesmo que som não seja emitido, que palavra alguma seja pronunciada ou escrita, ainda assim, o sujeito fala. Para ouvi-lo, bastaria ler a sua linguagem corporal.
Pernas entrelaçadas entre as pernas da cadeira, o segurar da bolsa, tenazmente, ao colo, ao corpo; os braços rigidamente cruzados, falar sem olhar diretamente nos olhos, tudo isso denuncia o ser e seu desejo / estado sub revelado (medo, imperatividade, bloqueio, ira…). Mas minha ideia não é falar do livro, é usar do mote desta pequena obra, de fins do século passado, para falar de algo mais atual. Do vociferar de alguns cães em nossos dias.
Weil enfrentou a II Guerra Mundial, viu seus horrores, olhou diretamente nos olhos da besta, ajudou a libertar a França ocupada pelos Alemães do III Reich. O mundo, ou a parte dele que não era faci/nazista, também o fez. Quando Mussoline e Hitler tiveram suas presenças oficialmente afastadas do mapa do mundo, o Globo inteiro jurou que tais dias nunca mais seriam permitidos entre nós. Os termos “Facismo” e “Nazismo” foram proibidos; seu uso, defesa, rememorização em forma elogiosa, sua apologia, prática, mesmo velada, o simples uso de seus símbolos se tornaram crimes, passiveis de duras penas, inclusive a clausura. O mundo aprendera a sua lição. Ou não…
Nos últimos anos, na Europa, nos EUA e aqui mesmo no Brasil, ecos daquele passado sombrio que se pensava distante, voltaram a ser ouvidos. Temos visto que o morto, tal qual um zumbi, abriu seu tumulo, rastejou para fora dele, voltou a andar entre nós e que, tal qual se diz de um zumbi, tem contaminado outros em seu caminho. O fato é que a horda de acéfalos a defender o retorno de governos similares aos do “Duce” ou do “Fuher”, tem crescido.
O que dizer do crescimento dos discursos de ódio aos estrangeiros, aos não brancos, aos não héteros, aos não religiosos cristãos, aos não perfeitos, aos não ricos, aos não assimilados a isso, a esse padrão em construção (ou repetição) que se pretende dizer ser o comportamento ideal de uma nação, da espécie humana? O que dizer do retorno dessa oratória eivada de fel, de cólera, fala já nem mais disfarçada, completamente desprovida de véu, agora que parece não haver mais vergonha ou medo em se dizê-la, publicamente, por parte de líderes políticos, de candidatos ao poder legislativo, de artistas, estudantes, professores, juristas, trabalhadores e desempregados, mulheres e homens, jovens, adultos e anciãos, do topo da pirâmide aos cidadãos comuns? O que dizer em sua defesa? Que não tiveram aulas de História? Que não tiveram escola? Que a escola falhou? Que a família ruiu, e com ela a base moral de nossa sociedade? O que dizer? Que a culpa é do outro? Sartre já disse isso (“o inferno são os outros”…) ; não concordo inteiramente com ele.
Há que se dizer, e isso tem que ser dito, que embora muitos, que raivosos e perigosos, os cães do fasci/nazismo foram, são e serão, sempre (!) uma minoria. Sempre existiram, ainda existem e sempre existirão seres contrários ao ideal de justiça, igualdade, fraternidade, liberdade e paz entre os homens. Mas sempre foram e sempre serão colocados em seu devido lugar: as páginas da História, mais objetivamente entre os capítulos que tratam do substrato, da escória humana. Serão sempre lembrados como devem ser relembrados os erros que o homem de bem não queira mais cometer: no rodapé da História, a nota da vergonha.
Mas algo mais há de ser dito: é certo que o lugar devido à lama podre, é o leito mais profundo do rio. Esta, revolvida, empesteia as águas, envenena a fonte; da mesma maneira a besta tomada de ira (o lobo de Thomas Hobbes) deve ter seu caminho barrado, não permitido seu acesso à civilização. Quando não devidamente detida, limitada a seu próprio circulo inferior, restrito, onde consuma a si mesma, em seu fogo autofágico, torna-se (a besta) igualmente uma “lama” nociva: ataca, contamina a tudo e a todos, não faz prisioneiros, não escolhe vitimas. Já vimos essa história antes, e o não barramento dos cães raivosos do passado custou caro, muito caro à humanidade.
A liga das Nações, embrião da ONU, nascida pós I Guerra, só se mobilizou contra Mussoline e Hitler, quando era tarde demais para se evitar a nova Guerra Mundial. Hoje, os cães raivosos (Cérbero, o cão tricéfalo de Dante…?) ladram novamente, ameaçam, urinam em nossos jardins e quintais, rosnam alto, babantes de ódio, sem temor ou pudor algum. E embora sejam uma minoria (insisto: uma minoria), contam a seu favor, novamente, com o silêncio de muito de nós. A pergunta que não cala é: esse silencio é de medo, ou de concordância com todo esse discurso tortuoso que ai está? Sim, Pierre Weil estava certo, o corpo fala. Mas o silêncio… o silêncio também.
Josafá Santos
Historiador, Graduando em Psicologia.
Vit. da Conquista, sexta-feira, 13.10.2017.