O ‘Primo Pobre’ da República: a desigualdade dos municípios no pacto federativo

Se você já assistiu ao clássico programa de televisão “Balança Mas Não Cai”, lembra do quadro em que dois primos se encontravam para conversar — sendo um rico e outro pobre.

Paulo Gracindo interpretava o primo rico e Brandão Filho, o primo pobre. A situação era cômica, mas a dinâmica entre os personagens nos dá uma analogia perfeita para a realidade brasileira hoje: os municípios são como o primo pobre, enquanto a União e os Estados — os primos ricos — concentram os recursos e o poder de decisão.

As prefeituras. apesar de serem os entes mais próximos do cidadão — responsáveis por saúde, educação básica, transporte, saneamento e serviços essenciais —  recebem uma pequena fatia da arrecadação nacional. Enquanto as reponsabilidades são descentralizadas, a arrecadação é centralizada.

Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que, em 2023, os municípios arrecadaram apenas 6,5% da carga tributária nacional, enquanto a União ficou com cerca de 60% e os estados com 25%.  Essa concentração de recursos evidencia a desigualdade estrutural do federalismo brasileiro, obrigando os municípios a dependerem de repasses como o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) ou compensações do ICMS, que nem sempre chegam em dia ou com liberdade de uso. Pior ainda: muitas prefeituras dependem de verbas parlamentares, que nem sempre atendem às prioridades locais, pois podem ser direcionadas a projetos com objetivos políticos.

Mais autonomia aos municípios seria um caminho

A autonomia política permitiria que os municípios legislem de forma independente, criando soluções adaptadas à realidade local.

A autonomia administrativa garantiria que os prefeitos organizem serviços públicos conforme a demanda da população.

A autonomia financeira, talvez a mais crítica, permitiria que os municípios arrecadassem e investissem seus próprios recursos, reduzindo a dependência da União e dos estados.

Autonomia plena traria muitos benefícios e mais poder de decisão para os municípios, mas sem mecanismos de controle, capacitação técnica e coordenação regional, pode gerar desigualdade, conflitos normativos e má gestão. Ou seja, é um equilíbrio delicado: mais liberdade, mas acompanhada de fiscalização, planejamento e responsabilidade.

Hoje, os municípios não têm essas autonomias por vários motivos:

Estão subordinados a normas federais e estaduais, que definem como devem gastar recursos em saúde, educação e outros serviços.

Possuem estrutura administrativa limitada e dependem de repasses condicionados.

Arrecadam pouco, e os impostos próprios (ISS, IPTU, ITBI) raramente cobrem todas as necessidades.

Vivem em um sistema fiscal historicamente centralizado, que concentra poder e recursos em Brasília ou nas capitais estaduais.

Essa combinação transforma o prefeito em gestor de crise, e a população, em quem sente diretamente os efeitos da desigualdade.

Para especialistas, essa estrutura revela a urgência de uma reforma do pacto federativo, que redistribua recursos e competências de forma mais equilibrada. A ideia é dar autonomia real aos municípios: política, administrativa e financeira. Com isso, os municípios poderiam planejar, arrecadar e investir com liberdade, criando políticas públicas adaptadas à realidade local e sem depender exclusivamente da boa vontade de políticos de outros níveis de governo

Sem essa reforma, o Brasil continuará com um federalismo desigual: os municípios carregando quase todo o peso da administração local, mas com menos de um décimo do dinheiro necessário.

O risco é profundo: prefeituras endividadas, serviços públicos precários e população frustrada. A descentralização efetiva e a autonomia municipal são essenciais para que as cidades possam responder às demandas da população, promover desenvolvimento regional e reduzir desigualdades.

No fim das contas, o “primo pobre da República” continuará sozinho carregando o peso de todos — até que haja justiça fiscal e autonomia real para os municípios.

Fontes:
Confederação Nacional dos Municípios – CNM: https://cnm.org.br/biblioteca/download/5397
Migalhas – Os riscos do pacto federativo: https://www.migalhas.com.br/depeso/428485/os-riscos-do-pacto-federativo-com-a-reforma-tributaria
Revista TCU – Federalismo e autonomia municipal: https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/download/2174/1985/4957
VEJA – Ranking de arrecadação dos municípios: https://veja.abril.com.br/economia/quais-sao-os-100-municipios-que-mais-arrecadam-impostos-no-brasil

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