Erros recorrentes na Segurança Pública: é preciso tirar o SUSP do papel
Por LUIS FLÁVIO SAPORI – Professor da PUC-MG e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi instituído formalmente pela Lei nº 13.675, de 11 de junho 2018. Desde então, nada foi feito concretamente para que esse novo modelo de governança do sistema de segurança pública na sociedade brasileira saísse do papel. Durante o governo Bolsonaro, a Lei foi sumariamente ignorada, dado que a prioridade da agenda presidencial era a flexibilização do Estatuto do Desarmamento. No governo Lula, por sua vez, há sinais promissores de que o SUSP está sendo levado mais a sério, mesmo que de modo ainda tímido.
A implementação do SUSP deve ser a base institucional de uma política nacional de segurança pública. Em termos práticos, isso significa que um plano de ações bem detalhado de controle da criminalidade no território nacional deve ser formulado em acordo com estados e municípios. Não se trata da imposição de um plano federal aos demais entes da Federação, como tem sido recorrente na história recente do país. Devemos lembrar que desde o segundo governo FHC identifica-se uma sucessão de planos nacionais para o setor, com a União determinando eventuais medidas de contenção do crime e sempre condicionando a liberação de recursos financeiros mediante adesão a tais medidas. Essa não é a diretriz do SUSP, contudo. Conforme prescrito no artigo 3° da referida Lei, compete ao governo federal estabelecer a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer suas respectivas políticas, observadas as diretrizes da política nacional. Em outras palavras, articulação federativa de esforços é diretriz norteadora do SUSP.
É fato que cabe ao governo federal a coordenação do SUSP, conforme estabelecido no § 1° do artigo 10. Tal protagonismo não significa a imposição de uma estrutura verticalizada na relação com estados e municípios. A implantação dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social em todos os níveis da Federação são imprescindíveis, cabendo a tais estruturas a proposição de diretrizes para as políticas públicas de prevenção e repressão da violência e da criminalidade. Além disso, devem se constituir em instâncias de monitoramento e avaliação dessas políticas públicas, envolvendo a participação de representantes das organizações policiais estaduais e federais, das polícias penais, das Guardas Municipais, do Ministério Público, entre outras entidades da sociedade civil. O SUSP prescreve, portanto, a articulação das organizações do aparato estatal responsável pela garantia da ordem pública. Trata-se de desafio dos mais complexos, considerando que a frouxa articulação do sistema de segurança pública e justiça criminal na sociedade brasileira tem se constituído em sério entrave para a redução dos indicadores de criminalidade violenta. A implementação de estruturas formais que potencializem a integração desse aparato estatal é tarefa inseparável da articulação dos entes federados.
Tirar o SUSP do papel implica, sob tal ponto de vista, a viabilização de uma engrenagem institucional muito particular até então inexistente. Não é tarefa simples, sem dúvida alguma, e depende de tempo para tanto. É empreendimento de médio e longo prazos. Não se deduza dessa análise que o governo federal deve concentrar esforços apenas nesse sentido, ignorando a adoção de ações práticas e imediatas para a contenção das crises crônicas do setor. As graves situações da criminalidade violenta na Bahia e no Rio de Janeiro, por exemplo, exigem medidas imediatas e de curto prazo mediante cooperação do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP) com os executivos estaduais. E isso está sendo efetivado, conforme se observa.
A gestão da política de segurança pública tem claras nuances se comparada às demais políticas sociais. As crises cotidianas são a tônica do setor, ocupando grande parte do tempo das elites decisórias. Gerenciar bem as crises, em outras palavras, é obrigação inarredável de secretários municipais, estaduais e do respectivo ministro, além dos comandantes do aparato policial e prisional. Inclusive, é recorrente o uso da metáfora “trocar o pneu com o carro se movendo” para retratar as dificuldades de quem ocupa postos de comando na segurança pública. Sou testemunha disso. Contudo, o gestor da segurança pública não poder perder de vista a perspectiva estratégica. Planejar ações para além do curto prazo deve compor sua agenda política. E é nesse sentido que a implementação do SUSP pode ser incorporada à atual gestão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O ministro Flávio Dino, ou eventual sucessor, tem em mãos uma janela de oportunidade para engendrar o maior avanço institucional na segurança pública do país desde a promulgação da Constituição de 1988. Deixar um legado como esse é para poucos afortunados.