Por André Ferraro
“Melhor culpar a comunicação por não conseguir falar só das coisas boas, e esconder todas essas ruins. Resolver os problemas é muito mais difícil que falar. Ou como diria minha avó: destruir é fácil, difícil mesmo é construir” – Ferraro
Culpar a comunicação pelas agruras de um governo é mais velho que a democracia. Os profissionais da área se deparam com isso todos os dias. João Henrique, por exemplo, o tenebroso ex-prefeito de Salvador, trocou sua equipe pelo menos 5 vezes durante seus mandatos. Acreditava religiosa e messianicamente que suas pequenas ações faziam um grande governo, como afirmava no slogan. Não tinha pesquisa que o convencesse do contrário. Deu no que deu: o pior governo da história da capital, junto com o do radialista Fernando José.
Se a cidade está cheia de buracos, se falta merenda, se faltam médicos e remédios, se não tem pneu ou asfalto, se a coleta de lixo ficou cara, se ônibus velhos circulam e quebram a todo instante, ou se o burocrata empoderado causa a morte de alguém por falta de ambulância, o que fazer? Pra quê complicar e reconhecer os problemas? Ora, melhor culpar a comunicação por não conseguir falar só das coisas boas, e esconder todas essas ruins. Resolver os problemas é muito mais difícil que falar. Ou como diria minha avó: destruir é fácil, difícil mesmo é construir.
Quando uma campanha acaba, todo mundo sabe que a hora é de fazer, realizar, e não continuar criando expectativas, ou distorções cognitivas em escala, como um hábito. Isso atrapalha até a percepção das eventuais coisas positivas. Essa é a primeira lição de qualquer gestão, e por consequência da comunicação pública.
Momentos difíceis iniciais são quase padrão para novas administrações, mas a superação depende muito mais de trabalho concreto e ações percebíveis pela população que qualquer outra coisa. E é dentro dessa realidade que todos, incluindo a comunicação, devem trabalhar.
O jornalismo oficial tem que se ater aos fatos, pois não é de um governo, mas de uma sociedade. Não é propaganda eleitoral, não é da militância. Tem o dever de informar, de zelar pela informação. Por natureza, tem de ser formal.
Na internet dá pra ter uma comunicação mais leve, talvez até mais informal e descolada, usando multimeios. Mas pra isso tem de ter pessoal especialista, equipamentos, contratados, e não improvisos. Improviso pode até funcionar em uma campanha, em curtíssimo prazo, mas no setor público em geral não dá muito certo.
Profissionalizar, descentralizar e despolitizar ao máximo possível talvez seja o maior desafio na formação de um sistema eficiente de comunicação social, contemporâneo, independente e socialmente responsável.
Claro que dourar a pílula faz parte importante do processo, sobretudo da publicidade. Porém não adianta ficar inventando coisas e fatos, de forma prematura e precipitada. Tem que ter trabalho para funcionar.
Apesar de ser na propaganda que se defende e constrói imagem positiva, que na propaganda que se cria relação passional, que se encanta e se constrói confiança com cidadão, para dar certo tem de ter aderência na realidade.
Cito outro exemplo, o primeiro ano desgastante do governo Wagner, a desestruturação de uma forma de governar, e o aprendizado de uma nova equipe, tudo isso com violência aumentando e a avaliação despencando. Aí entram comerciais muito bem produzidos, com personagens reais, senhoras do programa água para todos, que efetivamente distribuiu mais cisternas e levou mais água que todos os governos anteriores. A combinação perfeita tava ali: trabalho realizado, descrito pelo próprio beneficiário, com muita emoção. Depois tudo mudou, e a avaliação subiu. Governo é para quem mais precisa, tudo encaixava. Sobretudo o trabalho que dava liga a isso.
Não tem receita, cada caso é um caso, e a tarefa não é fácil. Sobretudo nos novos tempos, em que a comunicação social tem cada vez mais a obrigação e compromisso com a verdade. Não dá pra fazer comunicação hoje, com a diversidade de meios e informações, como se narrava futebol antigamente, antes da TV, quando tínhamos apenas as rádios, e se criava jogadas com toques artísticos e convincentes que só existiam na cabeça do narrador. Não cola.
Também adorava ouvir os jogos do campeonato carioca pela Rádio Globo, com Waldir Amaral fantasiando dribles e jogadas incríveis, mas infelizmente hoje não cabe mais, a invencionice não passa do primeiro click no YouTube. Não precisa mais de um Mário Viana pra gritar: gol legal. A gente já viu, se foi impedimento ou não, no tira-teima ou no smartphone. #valeadica
*André Ferraro é publicitário e ex-Secretário de Comunicação do Governo Herzem Gusmão