
por Euvaldo Cotinguiba Gomes*
Sabemos que a realidade do transporte público é dolorosa em nosso país e em Vitória da Conquista essa situação que nunca foi diferente tem piorado muito nos últimos 14 meses. É uma realidade de transporte que tem de público somente o nome, pois tem quase sua totalidade financiada pelos usuários. Tem-se pouquíssima participação e cada dia menos controle do poder público de fato, embora por direito diga-se ter. Tende neste momento a piorar, pois a promessa da atual gestão é regularizar aquilo que não resolverá o problema, no caso, o transporte clandestino que hoje opera com mais de 400 vans e incontáveis outros veículos de passeio que circulam livremente pelos pontos de ônibus coletando passageiros pela cidade. Sem controle, sem segurança, sem qualquer garantia de direito aos usuários o atual gestor promete resolver o problema legitimando esse modelo de serviço. Digo legitimando porque legalizá-lo é impossível, pelo menos nos moldes que se promete e que se vem tentando fazer. Todas as vezes que o mesmo trata desta questão, a discussão é feita tão somente tomando como solução a legalização do transporte clandestino que já se apossou de toda a cidade e que bem sabemos, não se resolve um problema de tamanha complexidade com uma medida tão simplista e impensada como esta.
Com a proposta de legalização das vans cabem algumas questões: como será resolvida a questão dos direitos dos usuários de transporte? Como a atual gestão fará o controle para garantir que estudantes, idosos e pessoas com necessidade de cuidados especiais tenham seu direito a transporte garantido? As vans vão operar nos fins de semana, à noite em regiões de difícil acesso, em bairros mais periféricos? Em rotas com pouca demanda? Uma administração que não consegue se quer fazer com que empresas devidamente licitadas e a quem a Prefeitura concedeu o direito da prestação de serviço do transporte cumpram aquilo que se encontra no contrato, dificilmente conseguirá fazer com que 400 ou mais motoristas atuando ao “deus dará” preste um serviço minimante bom. Quem usa transporte na cidade tem visto o que vem ocorrendo diariamente nestes serviços.
Há outras questões que precisam ser discutidas antes da legalização do transporte clandestino, por exemplo, tem hoje a administração as reais contas sobre o transporte na cidade? Qual é a tarifa técnica, ou seja, aquela sem subsídio que cobre todos os custos do sistema e remunera o operador na cidade de Vitória da Conquista? De quanto é a participação do Município em cada viagem do usuário de transporte público hoje? Qual é esse percentual? As empresas que exploram a concessão do serviço abrem suas contas ao Município? A deficiência na prestação de serviço é por conta de má gestão destas empresas ou é por culpa do próprio município que perdeu o controle sobre esse serviço tão fundamental e essencial ao cidadão permitindo que o transporte clandestino tomasse conta da cidade?
Precisamos retirar a discussão do transporte público desse gargalo, este é um “direito meio” ao qual o cidadão e cidadã deve e precisa ter acesso ou então muitos outros direitos lhe serão negados pela falta deste. Chamamos “direito meio” porque sem ele certamente o cidadão será privado de outros direitos como o acesso à escola, o acesso ao posto de saúde, ao emprego, a ir e vir etc. O Município precisa discutir quais serão as formas com que garantirá esse direito aos seus cidadãos. Não é regularizando transporte clandestino, expondo a população a um serviço inseguro e sem condições mínimas, quase como se fossem rebanhos, sendo transportados sem nenhuma condição ou conforto que resolverá essa deficiência. O atual modelo, seja de transferência de custos ao usuário ou a ampliação da terceirização do serviço via legalização de vans, não é o caminho para a resolução do problema. Ao fazer a legalização do transporte clandestino esse custo aumentará para o cidadão e cidadã que depende do transporte público. Nosso grande desafio nessa discussão é definirmos novas fontes de financiamento do setor; precisamos romper essa equação perversa em que todas as vezes que se discute a questão se transfere os custos para a tarifa cobrando do usuário ou se terceiriza mediante a legalização do ilegal, como pretende a atual gestão.
Outras questões poderiam mostrar mais dessa irracionalidade, tais como: o alto custo de combustível, a ocupação de espaço, o desperdício de mão de obra etc. Vejamos que um ônibus transporta em média (sobe/desce) 60 pessoas, tendo um motorista e um cobrador. Isso equivale a mais ou menos 06 vans transitando no mesmo trecho. Soma-se a isso a questão do trânsito, pois teremos muito mais carros circulando, mais combustível sendo gasto, mais poluição sendo gerada. Não tendo um serviço de qualidade aqueles que têm automóvel, antigamente denominados “carros de passeio”, os colocarão nas ruas, congestionando, poluindo, transformando cada vez mais nossa cidade num pequeno inferno metropolitano.
O poder público e a sociedade toda precisa criar soluções que permitam menos utilização de automóveis e mais investimentos na melhoria do transporte público. A forma como vem atuando a gestão da cidade está sendo no mínimo irresponsável, pois contribui para o fim do transporte público e cria situações que serão inadministráveis muito em breve.
*Euvaldo Cotinguiba Gomes é formado em Filosofia, especialista em Gestão e Mestre em Educação. Professor de Filosofia do Instituto Federal Baiano – Campus Itapetinga e Presidente o Psol Conquista.
Artigo opinativo escrito originalmente para o Siga News