Assédio moral pode configurar ato de improbidade administrativa. Importante lembrar. Nos últimos dias, parte da imprensa conquistense deu voz a um coro de centenas de denúncias de crime de assédio moral contra servidores concursados na Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista.
Amparados pelos vereadores petistas e a oposição ao atual prefeito, algumas vítimas romperam a cortina de silêncio que sempre envolve estes temas e “botaram a boca no trombone”, em blogs e rádios. Não me lembro de ter visto o assunto na TV Sudoeste. Mas o fato é que a gravidade do problema parece ser mais evidente quando notamos o silêncio de boa parte da imprensa local, que seleciona apenas a vida política do prefeito e do governador no tal “agenda settings”.
UESB: ASSÉDIO SEXUAL E MORAL
Uma NOTA DE REPÚDIO assinada por representantes de diversos movimentos feministas, coletivos e centros acadêmicos de praticamente todos os cursos, além do DCE, denuncia uma situação que exige respostas do Reitor, da Adusb e da Polícia Civil.
Vamos reproduzir aqui trechos da nota:
“Lidar com a violência de gênero tem sido rotina para as mulheres que trabalham e estudam na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. São recorrentes os casos de ASSÉDIO MORAL E SEXUAL, bem como outros abusos ocorridos neste ambiente, por parte de docentes e discentes da Instituição.
A gestão da Universidade pouco se empenha em construir uma política de combate à violência de gênero. Os poucos espaços que existem são voltados para denúncia do ataque ocorrido e não para a prevenção. O Programa de Assistência Estudantil da UESB – PRAE é a instância responsável por gerir a residência universitária e os demais assuntos que refere à vida acadêmica da/do estudante, mas tem feito isso de forma extremamente burocratizada. Sabemos que ações meramente burocráticas não darão conta da superação desse problema, pelo contrário, são responsáveis por jogá-lo para debaixo do tapete e tratar os casos de forma isolada.” (…) a maioria das vítimas desses crimes dentro da UESB são humilhadas, ofendidas e desrespeitadas, quando seus relatos de assédio são ignorados e até mesmo levados como algo calunioso. As denúncias também se tornam o motivo desencadeador de perseguição institucional, prática ainda corriqueira dentro e fora do ambiente acadêmico (…) No que se refere aos profissionais da Instituição, é necessário formação para lidar com os casos, receber, apurar e agir diante das denúncias, além de oferecerem suporte às vítimas.
A UESB nada disse sobre isso até o momento. Nem a Adusb. As vítimas não querem se expor. Enquanto isso a certeza da impunidade faz com que esse tipo de violência não só aumente como banalize.
PREFEITURA: ASSÉDIO MORAL
Fora da UESB uma outra administração enfrenta denúncias de cometer crime de assédio: A Prefeitura de Conquista, na gestão Herzem Gusmão. Inúmeros processos correm na Comarca de Vitória da Conquista. Os casos são frequentemente denunciados pelo SINSERV [Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Vitória da Conquista], SINDACS [Sindicato de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate as Endemias da Bahia] e SIMMP [Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista].
Dois jardineiros foram remanejados para trabalhar emprestados ao Gláuber Rocha, para o Tribunal Regional Eleitoral, e não foi para cuidar do jardim. As denúncias, neste caso, estão relacionadas à Secretária do Meio Ambiente, Luzia Lúcia Vieira de Oliveira. Aliás, esta Secretaria também está envolta em mais denúncias. Funcionários públicos do CETAS – Centro de Triagem de Animais Silvestres de Conquista, que não querem ser identificados, dizem que os animais estão sem se alimentar no final de semana por falta de funcionários no expediente, como forma de contenção de horas extras. Mas isso é coisa para outra postagem.
O que pode ser feito para coibir esse tipo de crime?
Assédio moral pode configurar ato de improbidade administrativa
A despeito da discussão legislativa, ora em andamento no Congresso Nacional, para se tipificar expressamente o assédio moral como ato de improbidade administrativa (Projeto de Lei 8178/14 do Senado Federal e, por ora, em tramitação na Câmara dos Deputados), o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio da 2ª Turma, já reconheceu a possibilidade de ato de improbidade administrativa em razão da prática de assédio moral.
No julgamento do Recurso Especial 1.286.466/RS, o colegiado entendeu que:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429⁄1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO.
1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249⁄1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ.
2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico).
3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho — sarcasmo, crítica, zombaria e trote —, é campanha de terror psicológico pela rejeição.
4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém.
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e⁄ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese.
7. Recurso especial provido.
Para a correta aplicação das reprimendas do artigo 12 da Lei 8.429/92 às hipóteses de improbidade administrativa decorrente de assédio moral, faz-se necessário uma análise mais acurada do caso acima referido.
Com efeito, o suporte fático que amparou a decisão do Superior Tribunal de Justiça foi o seguinte: “O réu se valendo da função de Prefeito Municipal, para vingar-se da funcionária pública municipal Célis Terezinha Bitencourt Madrid, obrigou-a a permanecer ‘de castigo’ na sala de reuniões da Prefeitura nos dias 19, 20, 21 e 22 de junho de 2001. O Ministério Público relatou, ainda, ter o réu sido movido por sentimento de vingança, vez que referida servidora teria levado ao conhecimento do Ministério Público a existência de dívida do Município com o Fundo de Aposentadoria dos Servidores Públicos. Referiu, ademais, ter o réu ameaçado colocar a servidora em disponibilidade, bem como ter-lhe concedido, sem solicitação, férias de 30 dias”.
Tais fatos restaram incontroversos, vez que reconhecidos pelo próprio réu no curso do feito.
Nesse palmar, resta patente que o assédio moral no âmbito da administração pública configura desrespeito ao princípio da impessoalidade e, desse modo, pode configurar ato de improbidade administrativa.
Entretanto, se é certo que a prática de assédio moral configura ato de improbidade administrativa, também é certo que nem todo desentendimento no ambiente de trabalho configura assédio moral.
Como observa o desembargador Leonel Pires Ohlweiler, em O Assédio Moral na Administração Pública, Dignidade Humana e Improbidade Administrativa:
Muito embora não exista unanimidade entre os autores quanto aos requisitos necessários para configurar o assédio moral, destacam-se via de regra (a) o conflito deve desenvolver-se no ambiente de trabalho; (b) a ação ofensiva ocorre durante algum período de tempo, alguns meses; (c) desnível entre os antagonistas, encontrando-se a vítima em uma posição constante de inferioridade; (d) intenção de perseguição em relação à vítima do assédio moral.
Adiante, ele insiste:
No entanto, nem toda violação da dignidade do servidor público importa prática do assédio moral. Em nome da dignidade humana não se pode admitir uma espécie de álibi hermenêutico, como refere Lenio Luiz Streck, para compreender qualquer violação como prática de assédio moral: a partir de sua própria institucionalização surgem indicações de sentido, mas que atribuem importância ao tempo, ou seja, a repetição, o conjunto de atos reiterados por parte da Administração Pública, atos capazes de causar degradação, desrespeito, humilhação, etc. São elementos importantes para indicar a prática do assédio moral.
Na mesma esteira, adverte Rudi Cassel que “é importante afastar as meras desavenças, discussões não programadas e desentendimentos simples do instituto ora abordado, evitando que se comprometa a detecção do fato juridicamente relevante”.
No próprio caso em que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prática de improbidade administrativa em decorrência de assédio moral, a relatora, ministra Eliana Calmon, pontuou que “o assédio moral, mais do que apenas provocações no local de trabalho — sarcasmo, crítica, zombaria e trote —, é uma campanha de terror psicológico, com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. O indivíduo-alvo é submetido a difamação, abuso verbal, comportamento agressivo e tratamento frio e impessoal”.
Idêntico foi posicionamento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região quando do julgamento da Apelação 575321-PB.
Naquela oportunidade, o desembargador Federal Manoel Erhardt destacou que, “para que haja o reconhecimento da existência de assédio moral no trabalho, é necessária a apresentação de provas robustas da existência de tal prática, haja vista que não se pode confundir o assédio moral (prática gravíssima que deve ser rechaçada sempre) com normais desentendimentos no ambiente de trabalho (situação comum em qualquer agrupamento humano)”.
Assim, inobstante a construção jurisprudencial que vem sendo construída sobre o assunto, observa-se a necessidade de uma legislação específica sobre o assédio moral no âmbito dos entes públicos de modo a delimitar a sua incidência.