Por Dirlêi A Bonfim
Diante da estupenda pompa e a festa da realeza britânica, muito do fetiche em torno do casamento real da família Windsor se deve a suntuosidade das festas e cerimônias, que passam longe da realidade dos plebeus. Alguns analistas dizem que os gastos devem passar de 60 milhões de libras, cerca de 300 milhões de reais. Os casamentos da realeza são famosos pelas festas regadas a muita pompa e luxo. Vamos imaginar que todo esse recurso fosse alocado para os programas de combate a fome em todo o planeta, assim, teríamos certamente uma destinação nobre para tanto dinheiro.
Conforme nos lembra Gil, na letra de A novidade, “…Oh! Mundo tão desigual, Tudo é tão desigual… De um lado esse carnaval, de outro a fome total…” Ou ainda, consubstanciando o que diz Zizek (2008), “… por fim, o importante é resgatar os conceitos de universalidade, de verdade e dever, contra o relativismo extremo e as percepções catastróficas, assim alimentar a humanidade, é mais que uma necessidade, é uma obrigação de cada um de nós, conviver com a fome é um descalabro…”
Esta universalidade deve ser retomada não no sentido de ignorar as particularidades dos sujeitos, mas não tomar essas mesmas particularidades como ponto de ação, mas, de cuidado e proteção especialmente para aquelas populações mais vulneráveis. Em todo o mundo, mais de 1,5 um bilhão e meio de pessoas passam fome. Um dos desafios da humanidade, senão o maior desafio, será garantir que, até 2050, com uma população estimada em 10 bilhões de pessoas, todos tenham o que comer, prevê o relatório The State of Food Security and Nutrition in the World 2018, (o estado da segurança alimentar e nutrição no mundo, em tradução livre). Pela definição da ONU, “a segurança alimentar só existe quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e econômico a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva que satisfaça as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares par uma vida “ativa e saudável”.
De tempos em tempos organizações internacionais divulgam crises humanitárias envolvendo a fome. Os casos envolvem populações em estado crítico de fragilidade, à beira da morte, que não possuem alimento suficiente para consumo. Diante disso, certas instituições pedem apoio financeiro para promover ações, combatendo às emergências localmente. Nessas situações normalmente são divulgados apenas dados locais, de alguns países ou regiões, não passando a imagem da real situação global. A produção global atual é mais do que suficiente para suprir as necessidades calóricas de cada um dos 7,5 bilhões e meio de indivíduos da população mundial. O que acontece é que há uma séria deficiência no sistema de distribuição dos recursos necessários para se ter acesso à alimentação, fenômeno que acontece principalmente nos países subdesenvolvidos e nas áreas rurais em que a infraestrutura é precária e a conexão com os centros urbanos é sempre muito difícil.
Essa deficiência está, acima de tudo, na construção da estrutura social, que nas atuais circunstâncias é extremamente desigual. Assim, as populações pobres têm recursos financeiros muito reduzidos (algumas vivem com menos de 2 dólares por dia), o que limita a compra de alimentos para consumo. Chamo à reflexão sobre o problema da fome no planeta, certamente não acontece por falta de recursos, aliás na história do capitalismo nunca se acumulou e se concentrou tanta riqueza nas mãos de tão pouca gente.
Em 2013, com O Capital no Século XXI, Thomas Piketty alertou para o crescimento contínuo da desigualdade de riqueza desde a década de 1970, contrária à tendência dos 60 anos anteriores e muito mais acentuada e socialmente relevante que a desigualdade de renda, mais fácil de pesquisar e na qual se concentrava a maioria dos estudos anteriores. Conforme nos revela os dados da Oxfam (2018), apenas oito indivíduos, possuem tanto dinheiro quanto a metade da população mundial, é o que apresenta os demonstrativos da Oxfam, em um relatório que pediu por ações que reduzam os ganhos daqueles que já estão no topo. Em um momento no qual políticos e muitos bilionários se reúnem para o encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos/2018, o relatório da ONG sugere que a desigualdade e a concentração de renda está maior do que nunca, com novos dados para China e Índia indicando que a metade mais pobre da população mundial possui menos recursos do que anteriormente estimado. Os países africanos, assolados pelas guerras civis e explorações estão entre os que menos evoluem no combate à fome, segundo os dados anuais da ONU.
Hoje, a situação é considerada grave em Botswana, Costa do Marfim, Etiópia, Madagáscar, Malawi, Namíbia, Uganda, República Unida da Tanzânia e Zâmbia.
Na Ásia, as piores condições de acesso a alimentos são encontradas na República Democrática da Coreia, no Iraque e Tajiquistão. Haiti, El Salvador e Guatemala são os países latino-americanos de pior situação em relação à oferta de alimentos à população.
No Brasil temos sérios problemas a serem enfrentados, que envolvem a fome, a desnutrição de crianças de 0 zero a 5 anos, em estado crítico e noutras faixas etárias também, temos jovens e adultos… os programas sociais, amenizam um pouco a situação de miséria mas, não resolvem o problema, o país saiu do Mapa a Fome elaborado pela FAO em 2014. A entidade apontou que no período de 2004 a 2014, o Brasil implantou programas para aumentar e melhorar a oferta de alimentos à população. Todavia, esses programas não conseguem dar conta às demandas tantas. Assim, continuamos a conviver com os grandes problemas relacionados a uma brutal concentração da renda e por outro lado, uma péssima distribuição da riqueza o que só agrava o problema da fome e da profunda desigualdade social do nosso país. Contudo, mesmo os gastos sociais, se ampliando, precisam chegar melhor aos mais necessitados, e as políticas sociais carecem de maior articulação entre si e com a política macroeconômica de geração de emprego e de distribuição da renda socialmente produzida.
Não se compreende que, sendo o Brasil, um dos maiores exportadores de grãos e proteína animal do planeta, pessoas ainda morram de fome e inanição na mais profunda indigência… Uma vez que, esse discurso sempre foi e ainda é, um jargão bastante utilizado pelos políticos multipartidários, mas sempre numa perspectiva populista e demagógica sem oferecer quaisquer soluções a problemas tão graves e relevantes.
Todos nós já ouvimos, pelo menos uma vez, nas nossas vidas, que no Brasil, existem regiões muito pobres e outras muito mais desenvolvidas. A expressão “distribuição de renda” não chega a ser nenhuma novidade em nosso vocabulário. Essa é uma triste realidade para a sociedade brasileira. Também é do conhecimento de todos nós que muitos trabalhadores abandonam suas cidades natais para se aventurarem nos grandes centros em busca de trabalho.
A migração do homem do campo para os grandes centros se deve, principalmente, a falta de emprego e o baixíssimo desenvolvimento de algumas regiões do país. Um exemplo clássico é retratado pelos trabalhadores que saem do interior dos sertões e vão tentar a sorte nos canaviais de São Paulo. Lá, trabalham horas a fio para juntar uma pequena quantia e realizar o sonho de ter a casa própria ou o próprio negócio e a vida com alguma dignidade. Entretanto, uma questão é de total interesse de todas as classes, a criação de novas tecnologias em razão do desenvolvimento científico, industrial e comercial, para além da preservação do meio-ambiente e, nesse momento se revela um outro quadro desolador, é triste perceber que os níveis de pobreza, em algumas regiões brasileiras, demonstram que os governos precisam criar políticas públicas de educação, saúde e segurança, que gerem empregos e o, conseqüente, desenvolvimento do resto do país.
Assim, com essa brutal concentração de renda em todos os cantos da terra, diferentemente do que previam alguns liberais, adentramos nessa segunda década do século XXI e não temos paz nem da harmonia entre capital e trabalho. Pelo contrário, em vez do “estado do bem-estar social”, temos crises econômicas, fome, ampliação do comércio de drogas e da prostituição, e o acirramento da luta de classes em todos os continentes. Um outro dado que choca a todos é o fato de que por meio da evasão de impostos, da corrupção desenfreada, por meio de um sistema financeiro clandestino, um outro problema destacado pela Oxfam no relatório. “Globalmente, os indivíduos e corporações mais ricos escondem trilhões de dólares oriundos da corrupção, da sonegação dos impostos em uma rede de paraísos fiscais espalhados pelo mundo. Estima-se que cerca de US$ 24,5 trilhões estão escondidos, sem registros,” nestes paraísos fiscais.
Enfim, nesse limiar de século XXI, a humanidade passa ainda por graves problemas como a fome, a falta de educação, saneamento básico, saúde, segurança, habitação, um conjunto de questões elementares, que já poderiam terem sido resolvidos a muito tempo, mas que, continuam como um fantasma que assombra a tantos e nos coloca a pensar sobre qual é o verdadeiro papel de cada ser humano nesse planeta…? A conclusão é muito simples, se olharmos para o mundo como um todo, comparando cidadãos de países pobres com os de países ricos como se a Terra fosse uma grande nação, vamos constatar rapidamente que a desigualdade é assustadora, numa humanidade, cada dia mais desumanizada.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA. Sociologia e Cursos de ADM/CONTÁBEIS/ENGENHARIAS/FAINOR/2018.1**