(Prof. Dirlêi A Bonfim)*
O Brasil tem um histórico de escolarização tardio, desorganizado e cambaliante, de governos e reiteradas “gestões públicas” sem compromissos e efetividade com a educação. Assim, ainda na década de 1980, 50% da população que entrava na escola básica, não passava do primeiro ano primário e somente 28% da população escolar concluía o oitavo ano do antigo Ensino de Primeiro Grau.
O quadro triste da educação brasileira só começou a ser revertido a partir da democratização do país e da promulgação da Constituição Federal, de 1988; do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, legislação esta que vem sustentando os esforços para a superação da exclusão e do fracasso escolar.
Não somos um país que valoriza os agentes da educação, como é que nós tratamos os nossos Professores…? Como é que nós tratamos a Educação, a Ética, a Ciência e a Tecnologia…? Nesse momento, os nossos programadas de Pós Graduação stricto sensu, segundo a Capes A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), informou que decidiu suspender a concessão de bolsas de mestrado e doutorado.
Penso que se faz mais do que necessário nesse momento de que toda a sociedade brasileira possa refletir profundamente sobre a Educação e todo o modelo em que está instituída a nossa base educacional. De acordo com o Professor Janine (2018), o papel da escola além de proporcionar a aquisição do conhecimento, é educar para o convívio com várias pessoas. À família cabe o papel de transmitir os valores éticos, morais e a ideologia de vida, e serem firmes quanto a isso.
Por exemplo, valores como generosidade e honestidade devem ser ensinados pelos pais, mesmo que outras famílias não os ensinem, deixando bem claro a importância destes na sua. Nos dias atuais, a família tem entregado para a escola o encargo de ensinar seus filhos e acredita que os mestres contagiem valores morais, regras e conduta, desde seus hábitos higiênicos até boas maneiras. Alegando que trabalham cada vez mais, e não tem tempo para zelar pela educação dos filhos.
Além disso, esperam que instruir em direção ampla é função da escola. O âmbito escolar assegura o resultado do procedimento educacional, precisa e muito do desempenho e colaboração da família, que deve estar atenta, cuidadosa a todas as áreas no crescimento do estudante, sendo a escola responsável por abrir espaços para a participação das famílias na tomada de decisões administrativas e pedagógicas o que acaba favorecendo e facilitando a educação dos estudantes.
Mas a família é a primeira responsável pela educação dos filhos. Se as famílias estão abrindo mão desses deveres, há uma inversão brutal dos valores. Pois, as famílias devem ser chamadas às suas responsabilidades de educadoras. “Por parte da escola o respeito pelos conhecimentos e valores que os tipos de preconceito que favorece a participação dos componentes da instituição familiar em diferentes oportunidades, estimulando o diálogo com os pais possibilitando-lhes, também, obter um ganho enquanto sujeitos interessados em evoluir e aperfeiçoar como seres humanos e cidadãos compromissados com a transformação da realidade”. (SANTO, 2008, p.18).
No estado do Paraná, o Projeto de Lei Escola Sem Partido (606/2016) voltou à discussão, a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa aprovou parecer favorável com várias ressalvas ao projeto, e em breve poderá ser votado no plenário da Assembleia Legislativa. Essa aprovação contraria a Constituição Federal em seu artigo 206, que prevê “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas […]”.
Em decisão recente, o STF suspendeu cautelarmente a aprovação da Lei Escola Sem Partido no Estado brasileiro. Em 2016, o MPF, por meio da Procuradoria Federal Dos Direitos do Cidadão, emitiu a Nota Técnica nº 01/2016 sobre a inconstitucionalidade da referida Lei. Uma das pretensões da “Lei da mordaça” é o ataque à liberdade, que é uma das conquistas da sociedade moderna que se firmou como valor universal a partir da Revolução Francesa (1789).
A respeito da liberdade, Rousseau (1712-1778) em sua obra Do Contrato Social, alerta: “Povos livres, lembrai-vos desta máxima: A liberdade pode ser conquistada, mas nunca recuperada”. Rousseau, assim como os iluministas, defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica. A filosofia Iluminista contribuiu para que a burguesia se fortalecesse e, após a Revolução Francesa difundisse tais ideais, legitimando a organização político-ideológica do capitalismo.
Como marco desse movimento destaca-se a os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, dentre outros. As reflexões iniciais nos ajudam a ampliar o contexto em discussão sobre a Lei da Escola Sem Partido e a tentativa de impor a mordaça aos professores, em pleno século XXI. “Entendemos que é fundamental que as famílias estejam cada vez mais próximas para compreenderem o que seus filhos estão aprendendo e não criar fantasmas de que os professores são doutrinadores, inclusive, porque percebemos que há uma pluralidade de posicionamentos entre eles”. Todavia, se nada disso for suficiente para desfazer os nós de desconfiança e um educador for filmado em sala, ameaçado ou injustamente denunciado, é possível recorrer ao Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas, que indica detalhadamente como proceder nestes casos.
“Não existe fórmula mágica para sairmos do hábito do conflito quando acessamos as nossas diferenças, sejam elas culturais, étnicas, políticas, religiosas, ideológicas e de gênero. Urge humanizar a educação, conceber novas construções sociais de aprendizagem, nas quais se concretize uma educação integral. Nunca será demais falar de convivência e diálogo enquanto condições de aprendizagem e espaço das boas relações”.
O que o projeto autodenominado “Escola Sem Partido” coloca o professor em situação de vulnerabilidade e fere a liberdade de ensinar, de pesquisar e de expressão do docente, garantidas pelo artigo 206 da Constituição. Educação é um processo de troca de conhecimentos, entre alunos e professores. O tal projeto ESP, acusa professores e até mesmo os livros didáticos de doutrinarem os alunos ou com o pensamento “esquerdista” ou a ideologia do “comunismo”. Em meio a uma crise política e uma polarização do país entre esquerda e direita, esse projeto agravaria ainda mais a intolerância, pois retira da sala de aula o debate político, tão importante para formação cidadãos…
Segundo alguns juristas consultados como o Professor de Direito Constitucional Dr. Othoniel Pinheiro, nos diz, conceitos como “neutralidade” e “prática de doutrinação”, usados no projeto, são impossíveis de serem aferidos na prática, “é no mínimo, uma série de anomalias e desvarios de alguns defensores desse absurdo”. O partido do Projeto de Lei Escola Sem Partido, é o partido único. Impõe o pensamento único… muito engraçado para não dizer trágico…
Apresenta-se sob viés da neutralidade, no entanto, está carregado de ideologia. Ao impor o silenciamento aos professores diante das questões sociais, econômicas, políticas, de orientação sexual e de gênero, a “Lei da mordaça” nos remete também a períodos sombrios da história do Brasil, como a ditadura militar (1964-1985), em que se criminalizava o pensamento e qualquer ação que divergisse do poder e da ideologia imposta pelos militares.
A lei da mordaça do século XXI, ao criminalizar o estudo das questões políticas, sociais e ideológicas e de gênero, impõe, por exemplo, que não se discuta os limites e as consequências oriundas das concepções liberais e do capitalismo que ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, produziu uns poucos bilionários à custa da miséria e da pobreza da imensa maioria da população. Dados publicados pelo IBGE, em 2018, apontam para o crescimento da pobreza no Brasil, chegando a 25 milhões de pessoas. Conforme dados da ONG Oxfam, apenas 06 brasileiros possuem a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros.
As questões relacionadas à orientação sexual, ignoradas pelos autores e entusiastas da lei, desconsideram que nos últimos anos os casos de doenças sexualmente transmissíveis, violência doméstica, homofobia e feminicídios aumentaram. Desconsideram ainda que, após atividades de orientação em relação a essas temáticas, ocorrem casos de estudantes que denunciam abusos sexuais, muitos deles cometidos por pessoas próximas à vítima, dentro das famílias.
Assim como na Idade Média se punia os hereges, os opositores políticos, subversivos, as mulheres consideradas bruxas, pretende-se punir agora os Professores/as em pleno século XXI. Na Idade Média utilizava-se variados instrumentos de tortura, executados por carrascos. A maioria desses instrumentos levavam as pessoas à morte. No século XXI, buscam a aprovação de leis, para legitimar a perseguição, o denuncismo, a criminalização e a punição.
Segundo o Professor Regis C. da Costa (2018), a “Escola Sem Partido”, ao tentar amordaçar os Professores abre caminho para que os governantes inescrupulosos de plantão aprofundem os ataques à educação, de forma vil e inconsequente. Um mal exemplo, o ministro da educação do governo atual, afirmou que os jovens precisam sair do “segundo grau” (palavras do ministro) direto para o mercado de trabalho. Essa visão reforça a lógica neoliberal de que o filho do trabalhador só deve saber ler e fazer contas. Nessa lógica, os estudantes não precisam saber pensar, refletir, até porque pensar é perigoso, compreender com discernimento, a Filosofia, História, Geografia, Sociologia. Cabe à escola a formação de mão de obra barata para o mercado voraz, sedento pela retirada de direitos dos trabalhadores com vistas à ampliação dos seus lucros.
As tentativas de amordaçar os professores é, também, a tentativa de calar a educação e a ciência para que prevaleçam o pensamento único, o cerceamento das liberdades a fim de criar uma escola e uma sociedade fundamentalista e ditatorial. Esse contexto nos remete a Paulo Freire, patrono da educação brasileira que afirmava: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.
Não por menos, o governo atual, através dos seus representantes, tentam desconstruir e satanizar educadores reconhecidos universalmente que doaram suas vidas à Educação, a saber: entre outros os Pensadores e Professores como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, mas, são inócuas as tentativas e não prosperam porque todos sabem, quem é quem…
A liberdade de cátedra, ou a autonomia para que o professor possa ministrar as suas aulas de acordo com as especificidades de suas turmas e território e com base nos documentos da Educação, é garantida pela Constituição brasileira. Nas palavras da Senhora Ministra Carmem Lúcia, em análise ao ADPF 548, cercear esse direito é inconstitucional: “Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida. Portanto, qualquer tentativa de cerceamento da liberdade do Professor em sala de aula para expor o pensamento, divulgar e ensinar é inconstitucional, além de ser um ato criminoso”.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA**Sociologia**Cursos/FAINOR de ADM/CONTÁBEIS/ENGENHARIAS/FAINOR/2019.1**