Projeto na Câmara sobre direitos autorais pode incluir cobrança ao ChatGPT
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto de lei dos direitos autorais em tramitação no Congresso Nacional inclui um dispositivo que abre espaço para que mecanismos como o ChatGPT ou Bard tenham que remunerar os autores por conteúdos, como material jornalístico, utilizados pela inteligência artificial.
O PL é de autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), e o trecho foi acrescido pelo relator, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), em seu último parecer.
A proposta, que ainda precisa ser aprovada no Legislativo e deve sofrer alterações, inclui no texto do Marco Civil da Internet a categoria de “plataformas digitais de conteúdos de terceiros”, na qual estão incluídos os serviços de “inteligência artificial”.
Há a expectativa de que o projeto seja votado na Câmara dos Deputados ainda nos próximos dias, mas as big techs, sobretudo, ainda reclamam do texto e podem travar sua aprovação.
Em um ponto de entrave, artistas pleiteiam que a regra passe a valer para todos os contratos, uma vez que muitas empresas de streaming, por exemplo, lucram com exibição de conteúdo antigo. A atual redação, no entanto, propõe que apenas novos acordos sigam as regras de remuneração.
Na última semana, foram feitas reuniões com Elmar, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), representantes dos artistas e do setor do audiovisual. Houve consenso sobre o tema de maneira geral, mas ainda há pendências a serem resolvidas quanto à redação do texto em si.
A advogada de direito digital e proteção de dados Micaela Ribeiro, do escritório Medina Guimarães, diz que a inclusão da inteligência artificial na discussão é um “avanço, ainda que mínimo”.
Para Diogenes Mizumukai, também da área de direito digital e sócio fundador do escritório BFMK, a lei é importante porque “inclui a inteligência artificial, especificamente inserida como plataforma digital, como meio de propagação das obras autorais”.
Segundo eles, no entanto, há ainda um vácuo legal acerca de quem é o titular do direito autoral daquilo que é produzido pelas inteligências artificiais –e não há consenso, nem norma sobre o tema ao nível nacional.
Há quem entenda, por exemplo, que o criador da inteligência artificial deve ser entendido como autor. Outros defendem que essa posição precisa ser compartilhada entre criador da obra utilizada e da ferramenta.
“[A proposta] traz a prerrogativa do titular do direito autoral, para que ele possa requerer uma remuneração, caso a sua obra seja de alguma forma indexada pela plataforma de inteligência artificial”, entende Mizumukai.
“Quando perguntamos para, por exemplo, o ChatGPT, quem é o titular [dos direitos da obra que ele usou], ele não sabe dizer. Responde que é incerto”, diz Ribeiro.
“A remuneração é algo que deve ser discutida, mas não só com uma menção em um parágrafo, sem dizer como, nem para quem. O projeto diz que deve ser feito, mas não mostra como”, completa.
O PL 2.370 quer obrigar emissoras e plataformas de streaming a novos pagamentos de direitos autorais para cantores, atores e obras de audiovisual. Também prevê a remuneração de conteúdo jornalístico pelas big techs, uma demanda dos principais veículos de comunicação.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, houve um acordo, durante o encontro com artistas e representantes de televisões e do audiovisual, para que o projeto crie regras diferentes para grupos internacionais, como a Netflix, que passam a pagar pelo direito autoral de obras quando a lei entrar em vigor, e as empresas brasileiras, que só seriam cobradas três anos após a publicação da nova norma.
O acordo foi um aceno sobretudo à Globo, que tem sido um dos principais obstáculos para o avanço do projeto. Com a redação atual, a Globoplay entra nas regras especiais para o setor nacional, tendo assim vantagem sobre concorrentes internacionais.
O relatório apresentado neste sábado sugere regras para a remuneração de conteúdo jornalístico –as plataformas que devem pagar para veicular esse tipo de produção são aquelas com mais de 2 milhões de usuários no Brasil, sugere o relatório.
A proposta também define como jornalístico o “conteúdo de cunho eminentemente informativo, que trata de fatos, opiniões, eventos e acontecimentos em geral de interesse público, independentemente do tipo ou formato, observados os princípios e padrões éticos de conduta no exercício da atividade de jornalismo”.
Elmar propõe ainda em seu relatório que plataformas digitais de conteúdo com mais de 5 milhões de usuários abram um repositório para apresentar dados sobre a publicidade que veiculam.
No período eleitoral, os anúncios que mencionam candidato, partido ou coligação devem ainda mostrar o valor total da propaganda, o tempo de veiculação, além de identificar que o conteúdo está relacionado ao pleito em disputa.
A articulação da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, também pesou no debate sobre a remuneração por conteúdo no ambiente digital –ela apoia a reivindicação da classe artística. A atriz e produtora Paula Lavigne e o Movimento 342 Artes lideram e organizam as negociações. O grupo trouxe a Brasília na última semana nomes como Xande de Pilares e Marisa Monte.
O relatório de Elmar afirma que a regulação proposta “tem em mente a enorme assimetria de poder que existe entre as grandes plataformas e a maior parte dos autores e jornais”.
“Cuida-se de evitar que as big techs se beneficiem economicamente do alto investimento realizado por terceiros para a produção de conteúdo, oferecendo ínfima remuneração em contrapartida, tendo em vista a alta concentração do mercado de internet”, diz ainda o texto.
Parte dessas novas regras constavam no PL das Fake News, que acabou submergindo na Câmara após tentativa de votação em maio. Foi feito um acordo para que o trecho que trata dos direitos autorais e remuneração de conteúdo fosse retirado daquele projeto e colocado neste, com relatoria de Elmar Nascimento, como forma de facilitar seu andamento.