Por Fábio Sena
“Eu sou parte de você mesmo que você me negue”. Numa síntese, eis Jorge Portugal, um poeta do Brasil. Um homem belo, poesia que circulava em forma de gente, um aedo contemporâneo, par de olhos jogando luz sobre as escuridões do mundo. Jorge Portugal cumpriu sua missão na inteireza e partiu. Como poesia, não se dissolve. Espalha-se e ganha novas formas de vida. Vai continuar existindo nas memórias, nos cantos, nas letras.
A todos, surpreendeu a notícia de sua morte. Leonino, Jorge Portugal faria 64 anos na próxima quarta-feira, dia 5 de agosto. Nessas poucas mais de seis décadas, emprestou seu talento às artes literárias sob várias dimensões. Letrista, banhou o Brasil de beleza com Raimundo Sodré e a Massa, trazendo à baila, com uma poesia autêntica e repleta de originalidade, a desigualdade social que atinge as pessoas numa dor que, de tão intensa, é de nem poder chorar.
Alegria da Cidade, que Lazzo Matumbi musicou – sucesso primeiro na voz de Margareth Menezes – é um monumento literário, voz coletiva, não de reivindicação de negritude, mas de humanidade, de igualdade, uma obra de natureza histórica, uma formidável interpretação sociológica, um convite poético e uma singular demonstração de sabedoria. De forma dura, mas sem perder a ternura jamais, Jorge Portugal foi afirmativo e iluminou o cenário ao consolidar um entendimento, ao esclarecer, jogando luz serena sobre nossas memórias. Ou, como diria antes, “pensando bem ainda bem que o que fiz foi dizer não de coração puro e feliz”.
A minha pele de ébano
É a minha alma nua
Espalhando a luz do sol
Espelhando a luz da lua
Tem a plumagem da noite
E a liberdade da rua
Minha pele é linguagem
E a leitura é toda sua
Será que você não viu
Não entendeu o meu toque
No coração da América eu sou o jazz,
Sou o rock
Eu sou parte de você
Mesmo que você me negue
Na beleza do afoxé
Ou no balanço no reggae
Eu sou o sol da Jamaica
Sou a cor da Bahia
Eu sou você
E você não sabia
Liberdade, Curuzu, Harlem, Palmares, Soweto
Nosso céu é todo blue e o mundo é um grande gueto
Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade
Somos nós a alegria da cidade
Apesar de tanto não, tanta marginalidade
Somos nós a alegria da cidade.
Deixei na benção por tomar
A velha crença imóvel e débil
Sobre o que não há
Aventurei o aventurar
E fiz na vida um precipício
Em que me atirar
Vivo de ouvir: o a seguir virá…
Deixe estar mas não deixe de sorrir
Quase dormindo, mas com muita pressa
Pois eu me ponho num barco e me levo
Eu me boto num bote e me levo.
Evoeh Jorge Portugal.